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    As imagens fotográficas de Amália parecem ser conhecidas. Uma casa familiar aos nossos olhos, pedaços de chão e horizontes amplos que a gente sabe, mesmo sem nunca ter visto antes. Luzes difusas que entram pela janela de quartos escuros, reflexos de um entardecer, ou a neblina de um dia um pouco mais frio, que desce pelas árvores. 

    Às vezes o silêncio é tão grande que, somado à penumbra, faz parecer que o tempo parou. Longe dos ruídos e luzes da cidade, ela nos leva a parar e olhar para os grãos de areia que brilham no chão ou então para uma janela acesa bem distante e solitária no meio da noite.  

    São cenas que contam algo sobre o dia a dia dessa personagem que quase nunca se apresenta para nós. É como se ela convidasse a gente para estar lá com ela, mas sem que a gente saiba exatamente quem ela é.

    Esse convite silencioso carrega um certo mistério, uma presença que é também ausência. Ela não impõe nada, apenas se coloca sutilmente. A gente percebe que de vez em quando ela aparece como sombra, fragmento, mas ela é bastante silenciosa e deixa espaço para a gente observar as coisas com calma, no nosso próprio tempo.

 

    As xilogravuras conversam com as fotografias, trazendo camadas para as imagens. As sobreposições de texturas de galhos, também familiares aos nossos olhos, trazem consigo um movimento suave, que marca o gesto das mãos. De novo a presença quase silenciosa da personagem.  

    Nessa série, a tinta sem pigmentação abre janelas no papel, permitindo que a gente veja o que se encontra por trás, mas de forma difusa. Parece um pouco com as névoas das fotografias: a gente imagina o que tem ali, mas não tem certeza. 

Essas imagens gravadas são um convite para as mãos; pedem para ser colocadas contra a luz e chamam para "ver melhor", ou para ver através. E é nessa hora que nossas mãos, segurando o papel, tentam tocar as mãos da personagem que não está mais lá, mas que entregou para nós esses fragmentos íntimos e preciosos, gravados em madeira e depositados no papel. 

 

    A luz que atravessa a lente da câmera, a luz que atravessa o papel. Testemunhos de acontecimentos que já foram, mas que ficaram registrados como pedaços de uma silenciosa narrativa. Mesmo sem nunca nos entregar a personagem, a gente acaba chegando bem perto dela, porque de uma certa forma é como se ela fosse uma antiga conhecida.

 

"De modo que o meu espírito ganhe um brilho definido,

Tempo tempo tempo tempo", Caetano Veloso

por Luciana Bertarelli, 2022

    O trabalho com a fotografia digital acontece por causa de um interesse voltado principalmente para a experimentação de imagens a partir delas próprias, com elas mesmas ou outras. O estudo e a própria experimentação da imagem digital garantem novas possibilidades poéticas. Uma mesma imagem pode ser transformada em muitas outras e essas outras em outras e assim por diante.
    A experimentação constituiu-se na construção de novos espaços que invocam os próprios elementos plásticos: a linha, a forma, o traço, a textura, as manchas ou cores. Organizados desencadeiam um conjunto de significações, criando novas espacialidades e novas composições pictóricas baseadas no contraste.
    Os contrastes causados pela oxidação do ferro são na maioria das vezes revelados pela cor vermelha que quando mais saturada destaca-se visualmente em comparação com sua complementar, o verde, encontrado na arquitetura do Estadio do Guarani Futebol Clube, sendo sua cor símbolo. Sobre o verde, Kandinsky afirmava que era a cor mais calma, uma cor que não solicita nada, que tem a passividade como caráter absoluto. O vermelho com o verde formam uma dupla de cores complementares vibrante. Uma cor que se destaca visualmente antes de qualquer outra contrastando com a mais passiva, calma.
    As experimentações chegaram em imagens com aspecto de colagem. O céu passa a fazer parte como se ele mesmo construísse novos espaços e formas com seu azul. Sobre o azul, cito Israel Pedrosa que diria: “Uma superfície pintada de azul dilui-se na atmosfera, causando a impressão de desma-terializar-se como algo que se transforma de real em imaginário”, como se a matéria, o ferro, perdesse a sua forma deixando de existir e tornando-se infinito.

por Amália Barrio, Foto em campo, 2011

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